Muito se engana quem diz que as músicas do Metallica, assim como de outras bandas de Heavy Metal, não passam de gritos ensurdecedores, que causam dor de cabeça. “One” é um entre tantos exemplos de canções que mostram que o gênero pode andar de mãos dadas com a história e a filosofia, carregando consigo muito conteúdo, além de arranjos magníficos. Hoje, ela é o tema do quadro Segredos Musicais.

A música, que é faixa do álbum “... And Justice For All”, foi inspirada no livro “Johnny Got His Gun”, de Dalton Trumbo. A obra conta a história de Joe Bonham, um soldado que teve o corpo dilacerado por uma explosão durante a 1ª Guerra Mundial. Sem pernas, braços e boa parte de seu rosto, Joe não conseguia mais se comunicar com o mundo exterior, embora seu cérebro esteja intacto e, por isso, consiga pensar e raciocinar com clareza. Um ano depois, o próprio autor dirigiu a adaptação para o cinema (no Brasil, intitulada “Johnny Vai à Guerra”), da qual foram retiradas várias cenas para a construção do videoclipe de “One”.
O VHS de lançamento, “Metallica: 2 of One”, de 1989, continha as duas versões do clipe e uma entrevista de cinco minutos com Lars Ulrich, dizendo que o objetivo de James Hetfield, ao compôr a música, era mostrar um ser humano vivendo em total isolamento — uma mente sadia, aprisionada dentro de seu corpo, sem possibilidade de comunicação com o mundo exterior. Vale a pena abrir aqui um parênteses que nos permitirá navegar um pouco no oceano da Filosofia.
Há quase 400 anos, o tema mostrando pelo Metallica serviu como base para a criação da mais famosa frase da história da Filosofia, de René Descartes: “Penso, logo existo”. René escreveu um texto chamado “Discurso Sobre o Método”, no qual questiona “como podemos saber se o mundo que percebemos através de nossos sentidos realmente existe? Como diferenciar 'coisas reais' de coisas que são sonhos ou pensamentos? Como confiar nos nossos sentidos?”. O filósofo respondeu tais perguntas imaginando o exercício de se desapegar de todos os seus sentidos, como ele mesmo disse:

Desta forma, Descartes se transformou em alguém igual ao personagem de “One”: uma pessoa que não tem mais os sentidos sensoriais para interagir com o mundo exterior; alguém que tem apenas sua mente. Sem nenhuma informação vinda de fora, sem nenhum pensamento que possa ser construído em cima de algo percebido pelos sentidos, o que resta? Quase nada, além de uma certeza, que é a de que a pessoa que está fazendo todas essas perguntas existe. Afinal de contas, para duvidar de tudo isso, deve haver algo que duvide de tudo. Assim, surgiu o primeiro princípio da Filosofia: “Penso, logo existo”.
Fechando o parênteses e voltando a falar sobre a canção, sabe-se que ela foi a primeira da banda a ganhar um vídeo. Dirigido por Boll Pope e Salomon Michael, ele estreou na MTV em janeiro de 1989. O videoclipe foi filmado em Long Beach, Califórnia, e apresenta a banda tocando a música em uma espécie de armazém, além das cenas do filme citadas anteriormente. Ele foi classificado em 38º no Rock in the Net: MTV: 100 Greatest Music Videos e alcançou a primeira colocação no Fuse's No. 1 Countdown: Rock and Roll Hall of Fame Special Edition.
Ao longo dos primeiros segundos da canção, há uma série de efeitos sonoros com um tema de batalha, uma barragem de artilharia e pode-se ouvir helicópteros, até que é iniciado, de forma lenta e gradativa, um solo de guitarra. A música vai acelerando após a entrada da bateria que, em certo momento, simula rajadas de metralhadora. “One” está na lista de itens que não podem faltar no setlist do Metallica. Após a pirotecnia e aos sons de guerra, “One” termina com uma sequência brutal: “has taken my sight, taken my speech, taken my hearing, taken my arms, taken my legs, taken my soul, left me with life in hell”. No vídeo, é neste momento que os médicos percebem que Joe ainda pensa, ou seja, existe. Confira:
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